A concentração de cálcio sérico é mantida dentro de uma estreita faixa fisiológica por controle de mecanismos que envolvem o hormônio da paratireoide (PTH), vitamina D ativa [1,25(OH)2D] e receptores e sensores de cálcio (CaSRs) atuando nos rins, intestinos, paratireoide e tecidos ósseos, para manter a homeostase mineral. Quando esses mecanismos homeostáticos falham ou não são totalmente compensados, ocorre hipocalcemia. A circulação inadequadamente baixa (insuficiente) dos níveis de PTH, que ocorre em adultos principalmente após cirurgia da tireóide, é a causa mais comum de hipocalcemia.
Quais são as causas e diagnósticos diferenciais de hipocalcemia?
A diminuição do cálcio sérico ionizado é reconhecida pelos CaSRs nas glândulas paratireoides, provocando liberação de pool de PTH preexistente e estimulando sua produção e secreção. Os níveis de cálcio sérico são então restaurados por diminuição da excreção de cálcio pela urina mediada por PTH e aumento da reabsorção óssea e absorção intestinal de cálcio, a última em associação com aumento da síntese de 1,25(OH)2D (calcitriol) nos túbulos renais.
Assim, as causas da hipocalcemia podem ser divididas naquelas associadas à deficiência de PTH ou resistência (tratada separadamente), e naquelas não diretamente associadas ao hipoparatireoidismo.
– Em condições normais, cerca de 50% do cálcio total circula ligado à albumina. Embora a hipoalbuminemia seja a causa mais comum dos baixos níveis séricos de cálcio total, não tem efeito sobre a fração de cálcio ionizado e, portanto, sem significado clínico. Assim, a medição de albumina sérica é sempre recomendada durante a investigação de hipocalcemia, juntamente com a correção dos valores totais de cálcio, que são obtidos pela adição 0,8 mg/dL para o nível de cálcio total para cada 1,0 g/dL de diminuição na albumina abaixo de 4,0 g/dL ou pela fórmula: Cálcio corrigido = Cálcio medido + [(4,0 – albumina) x 0,8].
– A hipomagnesemia grave diminui a secreção de PTH e aumenta a resistência aos efeitos do PTH no osso e rim. A ocorrência de hipomagnesemia deve ser considerada em todos os pacientes com hipocalcemia e níveis baixos ou inadequadamente normais de PTH.
– A deficiência grave de cálcio e/ou vitamina D pode estar associada a hipocalcemia e levar a hiperparatireoidismo secundário. Medição de 25-hidroxivitamina D [25(OH)D], a principal vitamina D armazenada no corpo, é recomendado. O metabólito ativo desta vitamina [1,25(OH)2D] tem um meia-vida plasmática curta e não reflete o status da vitamina D.
– Na pancreatite aguda, a ação da lipase gera ácidos graxos livres que quelam os sais de cálcio, resultando na deposição de cálcio no retroperitônio.
– Na hiperfosfatemia aguda, o fosfato se liga avidamente ao cálcio, levando à deposição de cálcio, principalmente no osso, mas também nos tecidos extraesqueléticos.
– Hipocalcemia é comumente encontrada em pacientes com doença renal crônica em associação com níveis baixos de 1,25(OH) Vitamina D e hiperparatireoidismo secundário.
– A síndrome da fome óssea pode ocorrer após cirurgia do hiperparatireoidismo grave, levando a hipocalcemia e hipofosfatemia devido a um rápido aumento da mineralização do esqueleto. Hipocalcemia é diretamente associada à gravidade da doença óssea e deficiência concomitante de vitamina D.
– Bifosfonatos intravenosos e denosumabe subcutâneo, agentes antirreabsortivos potentes usados para tratar a osteoporose, podem levar à hipocalcemia clínica, principalmente em pacientes com deficiência de vitamina D. Este efeito colateral de agentes antirreabsorção é mais comumente visto em estados de alta renovação óssea, como a doença óssea de Paget.
– Vários outros medicamentos podem agravar a hipocalcemia agindo por meio de diversos mecanismos e o uso concomitante deve ser avaliado em pacientes com baixos níveis de cálcio. Alguns anticonvulsivantes aceleram a quebra da vitamina D, limitando a mineralização óssea. Os inibidores da bomba de prótons e bloqueadores de H2 reduzem a produção de ácido gástrico, interferindo na absorção do cálcio. Diuréticos de alça e glicocorticóides induzem hipercalciúria; glicocorticóides também têm efeito prejudicial na ação intestinal da vitamina D. Drogas antivirais também foram associadas a um impacto negativo no cálcio, vitamina D e metabolismo ósseo.
Quais são as causas do hipoparatireoidismo?
Do ponto de vista funcional, hipoparatireoidismo surge de uma incapacidade das glândulas paratireoides da secreção de PTH e/ou ação prejudicada, impactando diretamente a homeostase do cálcio e fósforo.
– A remoção ou lesão cirúrgica das paratireoides é a principal causa do hipoparatireoidismo. Hipoparatireoidismo transitório pós-cirúrgico é comum, devido a comprometimento da paratireoide após manipulação aguda, com recuperação espontânea subsequente (até 6 meses da cirurgia).
– Autoimunidade é considerada a segunda etiologia mais frequente e pode ocorrer como uma endocrinopatia isolada ou como parte da síndrome poliglandular autoimune tipo 1, doença autossômica recessiva rara, caracterizada por candidíase mucocutânea, hipoparatireoidismo e insuficiência adrenal. Hipoparatireoidismo autoimune isolado foi relacionado a anticorpos antiparatireoides e anti-CaSR, mas o papel desses anticorpos ainda é mal caracterizado e sua mensuração, limitada a pesquisas. Na prática, outras manifestações autoimunes ajudam na identificação de hipoparatireoidismo autoimune na ausência de cirurgia.
– Causas raras são a infiltração neoplásica, doenças granulomatosas ou de armazenamento (Doença de Wilson e hemocromatose) ou por metais pesados, irradiação, radioiodoterapia, tireoidite de Riedel e doenças genéticas que afetam o desenvolvimento das paratireoides e/ou a produção de PTH.
– Hipoparatireoidismo também pode resultar da desregulação da secreção de PTH secundária a distúrbios da homeostase do magnésio, ou ativação anormal de CaSRs devido a causa genética ou autoimune.
Distúrbios genéticos: hipoparatireoidismo isolado [PTH, GCM2, SOX3], síndromes: DiGeorge, CHARGE, Kenny-Caffey, Sanjad-Sakati, HDR, etc., doenças mitocondriais, hipocalcemia autossômica dominante tipo 1 [CASR] e tipo 2 [GNAS11].
– Resistência periférica à ação do PTH resultante no hipoparatireoidismo funcional é conhecido como pseudohipoparatireoidismo. Esta condição é causada por defeitos na sinalização de PTH pós-receptor e é caracterizada em testes laboratoriais por hipocalcemia e hiperfosfatemia na presença de PTH elevado em pacientes com função renal normal. A produção de PTH é normal e o distúrbio bioquímico resultante da resistência hormonal (hipocalcemia e hiperfosfatemia) estimula o aumento do PTH. No pseudo-hipoparatireoidismo, defeitos no gene GNAS, mutações inativadoras da subunidade alfa da proteína G estimuladora, interferem na sinalização de PTH em tecidos-alvo periféricos, particularmente nos rins. Outros defeitos moleculares (por exemplo, na metilação GNAS) ou em outros mediadores de sinalização de PTH (por exemplo, PRKAR1A) também podem causar pseudo-hipoparatireoidismo.
O hipoparatireoidismo é um distúrbio raro com uma prevalência estimada de 0,25 por 1.000 indivíduos. Não há dados consistentes sobre a prevalência de hipoparatireoidismo permanente após cirurgia. O risco de hipoparatireoidismo póscirúrgico deve ser considerado mediante cirurgias de tireoide/paratireoide, junto com a extensão do procedimento. A manutenção de paratireoides intactas é o fator mais importante na prevenção do hipoparatireoidismo pós-cirúrgico. Conhecimento de anatomia e técnicas de autotransplante das paratireoides podem minimizar o risco. O uso de dosagens PTH perioperatório pode ser útil na previsão do risco de hipocalcemia em pacientes submetidos à tireoidectomia. No entanto, o protocolo deve ser estabelecido de acordo com a experiência de cada instituição.
Como o hipoparatireoidismo é diagnosticado?
O diagnóstico de hipoparatireoidismo deve levar em consideração a presença de quadros clínicos sugestivos, história de cirurgia ou irradiação cervical, condições autoimunes concomitantes ou manifestações sindrômicas. O exame físico deve incluir a inspeção da região cervical em busca de sinais de cirurgia prévia e avaliação dos sinais de Chvostek e Trousseau, que sugerem hipocalcemia. A gravidade dos sintomas depende da duração e intensidade da hipocalcemia. Os sintomas mais frequentes de hipocalcemia aguda são parestesias, cólicas, dor e fraqueza muscular. Na hipocalcemia grave, convulsões, tetania, papiledema e laringoespasmo podem ser manifestações.
A avaliação laboratorial deve incluir cálcio sérico total corrigido para albumina, PTH, fósforo, magnésio, creatinina e 25 (OH)D, além de cálcio urinário de 24 horas. Embora o cálcio ionizado seja a fração de cálcio fisiologicamente ativa, sua medição requer cuidado pré-analítico. Na clínica prática, a alternativa mais confiável é a determinação do cálcio total corrigido para albumina. O diagnóstico de hipocalcemia é estabelecido na presença de níveis de cálcio abaixo da faixa normal, mas no hipoparatireoidismo, geralmente estão abaixo de 7,5 mg/dL. Os valores de PTH intacto são baixos ou indetectáveis. Na presença de hipocalcemia, valores abaixo 20 ng/mL são diagnósticos de hipoparatireoidismo. A medição do PTH requer alguns cuidados com a coleta e armazenamento. Níveis de fósforo no hipoparatireoidismo crônico geralmente aumentam, mas na presença de síndrome da fome óssea concomitante, podem estar dentro do intervalo normal ou diminuídos. Dosagem de magnésio é importante para descartar hipoparatireoidismo funcional. A determinação da creatinina sérica e de 25 (OH)D são úteis no acompanhamento. Na presença de função renal normal, o cálcio em urina de 24 horas reflete a ingestão. É importante monitorar a ocorrência de hipercalciúria (cálcio urinário > 4 mg/kg/dia), devido à ausência de PTH durante tratamento com cálcio e vitamina D.
O diagnóstico etiológico do hipoparatireoidismo não cirúrgico é um desafio. Até o momento nenhum autoanticorpo foi padronizado para este propósito na prática clínica. O diagnóstico de hipocalcemia autossômica dominante através da análise molecular de CaSR é importante durante a gestão desta condição, para prevenir nefrolitíase / nefrocalcinose.
Assessoria Médica Lab Rede
Edição 08. Agosto/2021
Referências
1) Maedo SS et al. Diagnosis and treatment of hypoparathyroidism. Arch Endocrinol Metab. 2018;62/1. DOI: 10.20945/2359-3997000000015